Moda, negritude e Saúde mental na Universidade, por Hadassa Gomes (SÉRIE #PRETAESCRITORA)

by - julho 30, 2018

Hadassa Gomes, tem 24 anos, Designer de Moda, fotógrafa e se interessa bastante pelo meio artístico e como mulher negra sabe como a nossa inserção nessas áreas são difíceis. Tem um blog pessoal ( Se Essa Preta Falasse) onde compartilha suas inquietações. 


O texto abaixo fala um pouquinho sobre como foi ser Mulher negra e estudar moda. 




SOBRE: MODA, NEGRITUDE E SAÚDE MENTAL NA UNIVERSIDADE.



Em meio há relatos e acontecimentos diários, sabemos que nossas dores e batalhas não são vistas, e por muitas vezes, apenas consideradas como drama exagerado por parte da população negra. Quando denunciamos o racismo, apenas nos rotulam de vitimistas sem saber - e especialmente, sem se importar -, o quanto essa ação nos mata e massacra, de todos os modos possíveis, dia após dia. Nos fazem acreditar desde pequenas, que nascemos com uma ''força'' sobrenatural - diferente das pessoas brancas, os verdadeiros "seres humanos" - e consequentemente, podemos suportar todo o tipo de dor e violências tanto físicas quanto mentais. E de tanto internalizar esses estigmas, nos percebemos, vez ou outra, aceitando a ideia absurda de que devemos simplesmente ignorar, nossas feridas e seguir em frente. 

A saúde mental da mulher negra, ainda é um assunto estrategicamente muitas vezes evitado, pois os resquícios desses quase 400 anos de escravidão ainda perpetuam, os quais nossas ancestrais foram tratadas e vistas como não mais do que um objeto, designado a atividades braçais, atividades domésticas ou sexuais, e sendo o racismo estrutural como é, essas ideologias ainda são reproduzidas pelas sociedades ocidentais, bem como desde menina, recebemos essas informações através dos veículos de comunicação e na socialização - todas essas ideologias resultam, em algum momento de nossas vidas, na negação da nossa humanidade. Quando a nossa saúde mental se alia ao meio acadêmico, é então que as coisas ficam bem bagunçadas, se não insanas. 

Sabemos que a presença do negro na universidade causa desconforto, e faz com que o racismo dê o - infeliz - ar de sua graça, pois ainda somos considerados seres incapazes intelectualmente para estar compartilhando uma sala de aula com eles. 

Mas Hadassa, onde é que a moda entra em toda essa discussão? Bem, os meus relatos em relação a moda, são apenas compartilhamentos de situações vividas e observadas por mim e, por passar tanto tempo sem processar esses acontecimentos e vivências, tenho a necessidade de entrar em temas como esses, já que a realidade que não é só minha está aí, e precisa ser discutida. 

Infelizmente, o mundo acadêmico acaba com o nosso sonho utópico de finalmente estar em um lugar onde você poderá se descobrir e viver dos seus sonhos. É neste momento que ficamos de frente com uma realidade completamente diferente da que idealizávamos. Estar dentro de uma graduação em moda foi uma experiência que só agora, fisicamente distante dela, posso analisar de uma forma uma pouco melhor.

Sempre fui uma pessoa que se cobrou demais, principalmente nos estudos: desde muito pequena, sem nenhuma cobrança dos meus pais, eu sentia que precisava tirar notas altas para me sentir parte de algo maior. Contudo, naquela época, eu não entendia que é impossível se sair bem em tudo. E mesmo quando mais tarde, já estando ciente do fato e não gostava de exigir tanto de mim mesma, passei o ensino médio e entrei na faculdade ainda com o sentimento de que precisava sempre me superar, mesmo quando não havia possibilidades para aquilo acontecer. Mas a questão aqui é que, antes eu não era tão consciente a respeito do modo sutil, em que que o racismo atua. Não entendia quando os meus professores e colegas de classe me faziam críticas duras, desnecessárias, mesmo sabendo quando o meu trabalho estava ao menos, no mínimo, tão aceitável quanto o de um coleguinha branco. Não entendia o porquê de ser questionada: " Foi você mesmo que fez esse trabalho?". Pensava que aquilo era sim, culpa minha: ou o erro estava em meu modo de ser, ou em minhas roupas e condição social - mas raramente, eu chamaria aquelas ações pelo o seu verdadeiro nome: racismo. 

Não é fácil ser mulher, negra, e estar dentro de uma sala de aula. A cada dia, são acumuladas informações depreciativas a nosso respeito, e a baixa estima - e o auto ódio - são tão letais que muitas vezes não conseguimos nos desenvolver academicamente e não raramente, interrompemos os estudos. A falta de representatividade; o silenciamento de suas opiniões; o choque de realidades, nos faz acreditarmos que estamos em um lugar ao qual não pertencemos. 

Apesar de ter desejado, praticamente durante toda a minha infância e adolescência, cursar Design de moda, quando fiquei de frente com a realidade desse universo, por diversas vezes me senti inapropriada no local; me perguntei, em incontáveis situações, se aquele lugar era pra mim, pois apesar dos meus esforços - e como mulher negra, eu precisei me esforçar mais do que aqueles que haviam recebido uma educação mil vezes melhor do que a minha -, sempre parecia que eu era muito menos do que os outros colegas. 

Os fatores com os quais eu lutava contra eram esmagadores. Tirando o fato de estar em um local competitivo por natureza, eu ainda precisava lidar com a realidade de não ter professores e quase nenhum colega negros (me lembro de dois, e esse número é considerado "muito"); de todas os slides e referênciasfashion serem totalmente euro-centrados; e a exigência por parte dos docentes de que além de centrar minha vida em suas matérias, eu fosse resiliente. 

O mundo acadêmico, faz com que você deseje estar bem longe dele o mais rápido possível. É necessário atentarmos para assuntos como esses, pois, como já está começando a ser discutido na contemporaneidade: faltar aula da faculdade para fazer coisas da faculdade não é normal; ter professores sendo psicologicamente abusivos não é normal; comparar o desempenho de um aluno com outro também não é normal; e continuar propagando de que a moda é um espaço no qual você deve brigar com unhas e dentes, para, talvez, receber um ''tapinha'' nas costas, bem como estarem criando uma sociedade cheia de alunos cansados e mentalmente não saudáveis, não é normal! Mais anormal ainda é que professores reproduzam livremente o seu racismo, e por isso, os poucos alunos negros que têm acesso à universidades, tenham que "desistir". 

Não estou aqui para dar respostas. Aliás, eu nem as tenho. A verdade é que não possuo soluções imediatas mas entendo que, precisamos falar mais sobre assuntos como esses; precisamos mostrar para as nossas irmãs e irmãos pretos (e neste texto, falo mais diretamente com as mulheres negras), que não precisamos e nem devemos carregar todo o fardo que nos jogam nas costas. Precisamos sim, aprender a cada dia enxergar que somos tão merecedores do espaço acadêmico quanto qualquer outro; precisamos entender que acima de tudo, somos seres humanos e nossas instabilidades emocionais importam, que nossa dor causada por uma sociedade que de bom grado, ainda insiste em reproduzir o discurso de um país "de democracia racial". Apesar do por anos disseram e ainda os fazem, nós temos mente, alma. Temos emoções. Somos seres dotados de sensibilidade e precisamos saber a hora de parar e nos cuidarmos, pois a nossa saúde mental importa, sim! 

Além de nós, negros na moda, reconhecermos esses fatos, essa discussão é também importante para se abrirem novos horizontes: precisamos deixar claro que nossa vida e nossa cultura, deve ser respeitada e valorizada não em roupas de estampas tribais, animal print, ou na disseminação do hip hop dentro dofashion business - isso deve ser representado com a inserção de negras e negros (e aqui dou a ênfase necessária as mulheres negras) nas mais diversas áreas que o mundo da moda proporciona; na representação do nosso povo para o nosso povo; e, principalmente, na entrada, aceitação e liberdade de expressão da nossa subjetividade no ambiente acadêmico.




Hadassa Gomes


Instagram: @hadeusa 
Blog:http://seessapretafalasse.blogspot.com/

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