A cultura do abandono paterno - Temos que falar sobre isso

by - março 28, 2018

Vou começar esse texto falando de um relato pessoal.

Na minha certidão e identidade não consta o nome do meu pai biológico, fui abandonada por ele antes de nascer. Aliás, eu e minha mãe. 

E minha história não é incomum, pesquisa feita em 2013 cerca de 5,5 milhões de crianças, até então, não tem o nome do pai no registro do nascimento. Rio de Janeiro e São Paulo são os estados que concentram o maior número de crianças e adultos sem filiação completa (Dados conselho Nacional de Justiça - CNJ).Estes dados nos confirmam quanto é naturalizada essa realidade e como não é debatida, discutida. 

De onde vem esta cultura?

Há estudos de que a miscigenação que se deu no processo de colonização do Brasil, pode ser a forma mais palpável de buscar a origem da ausência paterna neste país. A sociedade brasileira foi fundada em sua maioria, a partir de estupros praticados pelos colonizadores contra as mulheres negras e índias. Assim as crianças nascidas e que não eram consideradas nem brancas, nem negras e nem índias eram os chamados "bastardos", e eram vendidos como escravizados mesmo sendo filhos dos senhores de engenho. Não tinham identificação social, quem dirá afetiva. E essa prática assim se torna comum e aceitável em nossa sociedade até os dias de hoje.

Outro ponto que quero chamar atenção é de que temos enraizada em nossa sociedade machista a ideia de que a mulher já nasce pronta para a maternidade. Há divisões de papéis já pré-estabelecidos, sendo o homem responsável pelo mundo externo, enquanto a mulher tem foco a tudo que se refere ao interno. Temos internalizado que a mãe é algo mais necessário do que o pai já que achamos normal quando as responsabilidades de educar um filho não é dividida.  
Um pai abandonar um filho é comum, é aceitável, ninguém julga. Uma mãe que abandona um filho é sem coração, é crucificada e taxada como louca muitas vezes.

Vou além e digo que o abandono paterno é algo tão corriqueiro que não necessariamente este pai precisa abandonar esse filho fisicamente. Ele pode morar na mesma casa e escolher abandonar, isso é mais comum ainda, um pai que não é afetuoso, não é responsável, não é cuidadoso, não é participativo na educação, não faz questão de criar laços afetivos e, pasmem, ninguém cobra! Alguns lidam bem com isso, outros carregam traumas, expostos ou disfarçados sobre a frase de efeito " não há como sentir falta do que nunca se teve". 

Só um adendo, em nossa sociedade, existem vários modelos de família, estou me referindo a famílias compostas por homens cis hétero e mulher cis hétero.

O abandono físico e o abandono emocional condenam também a mãe que se priva de muitas coisas para educar sozinha seus filhos, se priva de estudar, de ter amigos, de ter vida social sadia, de ter sucesso profissional como aconteceu com minha mãe, e quantas mães existem iguais a minha?
Meu desejo é que minha mãe saiba o que é ser feliz, faça viagens, se forme, trabalhe, conquiste o mundo, mesmo que com 29 anos de atraso dedicados exclusivamente aos seus filhos.

Se incomode com os abandonos de pais, assim como você se incomoda com abandonos de mães. 

Se incomode com o não pagamento de pensão pelo pai, assim como você se incomoda quando uma mãe denuncia aquele pai que muitas vezes é seu amigo e você tem pena e acha que a mulher é interesseira.

Quando vamos apoiar mulheres mães e repudiar homens que abandonam? Repudiar não no sentido de vingança, mas sim de cobrança de que não seja normalizado e aceitável o abandono paterno.





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