Perdi minha carteirinha de militante por ter o cabelo liso?

by - fevereiro 14, 2018

A origem dessa pergunta vem de questões levantadas na internet, sobre reduzir a militância de uma mulher negra porque ela alisa o cabelo. Entendo que existe um sistema padrão branco, por conta da nossa colonização que diz que cabelo bonito é cabelo liso e que cabelo cacheado ou crespo é feio, inaceitável. E isso interfere diretamente na autoestima de mulheres negras.
Mas o que precisamos entender é que não somos um bloco, um pacote, não somos todas iguais, pessoas negras tem gostos, vontades, pensamentos diferentes. Temos vivências parecidas por sermos um grupo oprimido. Porém, temos nossas individualidades. 
Eu por exemplo, tenho o meu cabelo liso natural, nasceu assim na minha cabeça. Não tem como ser diferente, resultado de uma mãe branca de cabelo liso com um pai negro de cabelo crespo.
E ai? será que não tenho o que acrescentar com minhas vivências, será que não sofro racismo por isso? Sou menos negra, mesmo o meu tom de pele sendo escuro?
Voltando as vivências, é fácil entender as diferenças individuais quando sabemos que uma mulher cis negra passa por situações diferentes de uma mulher negra trans. Que uma mulher negra cis hétero passa por situações diferentes de uma mulher negra cis lésbica ou Bi (que já são outras situações) e que por exemplo se compararmos situações de uma mulher negra cis com alguma limitação física passa para uma mulher que não tem nenhuma limitação. São situações completamente diferentes. O nome disso é recorte social.
Logo, eu, mulher negra de cabelo liso nunca saberei o que é passar por transição, ter o cabelo ridicularizado na adolescência, ser chamada de cabelo de bombril, nunca saberei essa dor. Mas isso não anula as outras dores que passei e passo.
Desde a infância a pergunta que mais ouvia era: Você é Índia? Você é descendente de Índio? Mesmo eu não tendo traços, cor e nem parentes indígenas, as pessoas preferiam buscar essas justificativas para explicar o meu cabelo liso. Na adolescência, para as pessoas o meu cabelo era de progressiva, ninguém acreditava que eram lisos. Como se cabelo liso fosse exclusividade de pessoas brancas, novamente nos botam numa caixa como se fossemos todas iguais.
E sinto que no movimento há a ditadura do cabelo natural, sem respeitar vivências, tempo de cada pessoa para passar pela transição. Existe um limitador de militância, como se existisse uma forma de ser militante, uma cara de militante, uma forma de se expressar de militante, um corpo de militante e um cabelo de militante.
O que tenho que fazer para passar credibilidade, raspar meu cabelo e torcer para que ele nasça crespo como que por um milagre cristão? Acredito que muitas vezes não sou "ouvida" por esse motivo.
Acho que falta entender que empoderamento é sim dar poder para o outro ser o que ele é. E ser você mesmo é sem dúvida ter liberdade para escolhas. 
Temos que questionar gosto, entender que gosto é construção social, mas não podemos reduzir a militância de uma mulher negra ao cabelo.




  

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2 comentários

  1. Seu texto é bom, porém discordo quando você diz que tem uma "Ditadura do Natural",como que vai existir uma ditadura de cabelos que nunca foram socialmente aceitos? Ou no máximo tolerados?, dizer que existe uma ditadura do natural ou uma ditadura da transição é algo totalmente sem sentido, sendo que até hoje os estereótipos acerca dos cabelos afro existem em larga escala e ainda não são considerados belos. Não nego que não exista uma pressão para que as pretas passem pela transição (o que não é correto),mas falar em "ditadura do natural" numa sociedade onde o cabelo muito enrolado a crespo (principalmente os crespos) ainda não são aceitos, tido como feios, mulheres ainda perdem empregos devido aos seus cabelos, são preteridas e sofrem ataques diretos e latentes devido aos seus cabelos seria algo sem noção!, se pegarmos o significado literal de "Ditadura" seria um regime/imposição forçada de algo sem direito de oposição a esse ato, então pra mim não faz muito sentido dizer que existe uma "Ditadura do natural" sendo que o valor vigente daquilo que é belo e aceitável continua sendo os cabelos lisos, veja bem aqui não entro no mérito de consciência como estética, mas sim como afirmar que crespas e cacheadas estão ditando uma nova tendência impositiva sendo que elas ainda são estão no limbo daquilo que é no máximo """"tolerável""""" e não aceito?
    Porque eu me pego pensando real, se existe uma tal "ditadura do natural" porque as minas que assumem eles ainda são massacradas pelo racismo devido as suas características físicas?, e de muitas vezes de forma pior com o acréscimo do cabelo natural?, Isso não seria uma forma de reduzir e descredibilizar uma luta de resistência contra um padrão estético que nos fez odiarmos nossos traços por séculos?, nos colocar no mesmo patamar branco de imposição estética sendo que não temos poder estrutural nenhum para isso? Não da pra negar que existe uma possibilidade lisa, é querendo ou não é nítido que formas pesadas de racismo se manifestam principalmente contra os nossos cabelos.

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    1. Primeiramente obrigada por compartilhar comigo seu ponto de vista. Criticas me fazem refletir e aprender.
      Quando digo ditadura dentro do movimento fiz uma alusão a imposições que meninas que alisam seua cabelos passam. São criticadas e por vezes deslegitimizam suas falas.
      Acho muito mais eficaz a conscientização do que significa aceitar seu cabelo natural a exclusão ou a imposição do que é aceitavel para ser militante.
      Acho que todas as falas devem ser ouvidas e entender que tudo é um processo. E se manter ditando regras é a certeza que não vamos a lugar nenhum. Assumir cabelos crespos ou cacheados é um ato politico sem dúvida mas respeitar quem não assumi é mais ainda, nossos inimigos são outros,repito prefiro a conscientização. Sou a favor de discutirmos sempre gosto. Nos questionarmos o que é gosto.
      Mais uma vez obrigada por este comentário.

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